domingo, 1 de fevereiro de 2009

Histórias do Cotidiano (Solto ou não o Curió?)



O dia está claro e uma leve brisa toca o Algodoeiro da Praia em frente à loja, movimentando os galhos com suas folhas generosamente grandes em forma de coração. Suas flores amarelas são finas e sedosas tendo no centro uma coloração vermelha onde surge um pêndulo carregado de pólen.

O curió, no poleiro da gaiola, canta baixinho e preguiçoso olhando para o horizonte...

Fico ao seu lado e começo a pensar no capricho da natureza. Se ele não tivesse um canto tão belo provavelmente não estaria ali preso.

Mas, posso mudar a vida dele, é só abrir a porta da gaiola e deixa-lo livre, a voar pelos campos onde ele decidiria aonde ir e ficar.Só tem um “porém”, criado em cativeiro, não saberia viver sozinho, não saberia procurar comida, se defender dos predadores naturais, procurar abrigo e pior ainda, estaria sujeito ao egoísmo e a cobiço humano, que destino...


Isso me faz sentir inseguro e chego a ter uma espécie de calafrio, uma certa sensação de irresponsabilidade, de medo e perda. Afinal de contas, ele está comigo há algum tempo e me acostumei a cuidar dele todas as manhãs, dando comida, água, brincando e ás vezes até me pego conversando com ele como se fosse uma pessoa, meu confessor, um amigo.

Será que estou sendo egoísta mantendo-o “prisioneiro” para ter o seu canto todo tempo alegrando a minha vida? Ao mesmo tempo penso na quantidade de animais aprisionados, servindo aos homens, nos espetáculos de circo, nos zoológicos, nas pesquisas científicas, em criadores particulares e fico mais confuso ainda com os meus sentimentos.

Aproximo-me mais da gaiola e me pergunto se não estaria sendo irresponsável com a vida dele. Eu tenho autorização para cria-lo. E daí? Não foi ele que me autorizou, não foi ele quem me pediu.

O tempo fez com que eu me apegasse a ele... Se fosse hoje não o teria adquirido. Sempre gostei do convívio com a natureza e com animais domésticos. Talvez, pela natureza dos gestos, a sinceridade dos carinhos, a lealdade ... não sei! Fico pensando, afinal, qual a diferença em criar um cão, um gato e um passarinho? Porque nos afeta tanto manter um passarinho na gaiola?

Já sei, eles tem asas e podem voar. É isso, esta é a diferença! Para nós humanos, voar sempre foi motivo de inveja, o homem sempre quis voar e não mediu esforços ao longo dos anos para conseguir seu intuito. Olhar aquele “bichinho” ali preso, sabendo que ele poderia estar lá no alto, voando e vendo o mundo de outra forma, como sempre quisemos ver.

Solto ou não solto o curió?

E o medo dele morrer... Será que ele vai ficar perdido nessa imensidão de mata?

É como se eu soltasse a minha cachorra e a gata da minha filha na rua, quanto tempo eles viveriam? Talvez fossem atropelados, mal tratados, ficariam com fome ou alguém da mesma forma que o curió, os prenderiam e os levariam para outro lar, para outra “prisão”. A gata poderia virar churrasco e a cachorra sabão.

Mudariam de “dono” ou virariam “objetos de troca”, quem sabe?

É curió, talvez a decisão de soltá-lo fique mais fácil com a seguinte pergunta: “O que é melhor, uma vida engaiolado e preso sem poder voar pela imensidão do céu ou o risco de viver apenas uma ou mais horas completamente liiiiiiiiiiivre?” Como eu gostaria que você falasse para me responder... Fala curió, o que você prefere, fale!!!!

De repente tudo fica claro em minha mente e o peso enorme saiu de dentro de mim...

... Vá meu querido curió, voe como você nunca voou em sua vida, aproveite cada minuto, sinta esta brisa em suas asas, o calor do sol, pouse em quantas árvores puder encontrar em seu caminho. O seu instinto irá te ajudar, voe, voe bem alto e mesmo que a vida dure algumas horas, alguns minutos, terá com certeza, meu amigo curió, valido a pena.

A liberdade não tem preço, sem ela não somos felizes, não somos NADA.


Sidney Paternoster Esteves
20/05/05

Conto publicado no livro “Antologia de Contos Fantásticos N° 17”
Pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores.

Um comentário:

Anônimo disse...

Fico feliz em poder ter participado deste momento de tanta felicidade. Na verdade, eu somente observei o quanto era bom ler tudo aquilo que o meu amigo Sidney escrevia, sua forma de relembrar, suas histórias vivas, suas palavras... que bom, encontrar tantos bons contos reunidos. Parabéns, meu grande amigo!!! Você merece, simplesmente porque faz com que tudo seja dito de forma simples e elegante.
Obrigado por ter-me dado a honra de ser o primeiro a dar tais comentários!!!